02 fevereiro, 2007

IVG – Uma questão de princípios

Dentro em breve, no dia 11 de Fevereiro de 2007, volta-se a realizar um importante referendo nacional. Estará em questão a concordância dos portugueses em relação à interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.Com uma terminologia aparentemente simples, a questão envolve um conflito particularmente intenso de princípios que acaba por torná-la materialmente complexa. Sob pena de estar a ser demasiado redutor, o principal óbice desta questão reside no confronto entre um direito à vida de uma pessoa em formação e uma liberdade de escolha da progenitora em relação à interrupção do desenvolvimento dessa pessoa, no cumprimento de determinadas condições.Colocada a questão nos termos supra mencionados, pareceria simples atribuir razão ao não. O direito à vida é reconhecidamente o mais forte de qualquer ordem jurídica de um Estado de Direito. Tal concepção é, para a minha pessoa, indubitável, tal como o é para qualquer cultor do Direito. A verdade é que, porém, a questão não pode ser colocada nestes termos. Muitos são os casos em que se justifica a ponderação dos valores em questão. Por exemplo, por vezes, ao se salvar a vida física de um nascituro, poderá estar-se a sentenciar duas (ou mais) vidas ao infortúnio. Caso especialmente aberrante é o da típica menor que, sem culpa, ou seja, tomando as precauções necessárias, acaba por ver-se na situação de uma gravidez indesejada. Parece-me óbvio que, num caso destes, ao salvar-se a vida do nascituro, em casos particulares, pode-se estar a estragar a vida da menor (mãe), do pai e a sentenciar-se o desequilíbrio da própria criança. Admito, porém, contestação válida a esta opinião.A complexidade desta questão nasce, assim, de uma enorme diversidade de argumentos de ambas as opções (sim ou não). Quando se diz que o nascituro tem direito à vida está-se a afirmar algo válido. A verdade é que a vida física, per se, sem o necessário equilíbrio psicológico acaba por evidenciar uma não-vida. Esta opinião é discutível, como é óbvio, já que os milagres da auto-suficiência e do instinto de sobrevivência permitem a muitas pessoas inverter uma vida aparentemente infortuna para uma equilibrada.Põe-se, então, a questão da liberdade de escolha da mulher. É precisamente neste ponto que encontro maior necessidade de justificar a minha opção. A questão referendária, no sentido em que está apresentada, não merece o meu total acordo em relação a este ponto. No entanto, como infra justifico, parece-me que, pela importância prática que o regime traduz, a questão merece a minha concordância.Em primeiro lugar, o porquê do meu parcial desacordo. A ilimitada liberalização dentro das referidas dez semanas coloca o problema da opção pelo aborto injustificado ou absurdamente justificado. Por exemplo, não me parece razão suficiente a escassez económica ou a simples falta de desejo.No entanto, é fundamental ver-se o reverso da moeda da vitória do não e da manutenção do actual regime. Parece-me preferível a permissão legal da interrupção voluntária da gravidez à manutenção da situação actual de aborto clandestino. Mais, a simples globalização e nomeadamente a liberdade de circulação, princípio essencial da comunidade europeia, permite que quem tenha maiores posses financeiras opte por efectuar a interrupção da gravidez num outro país, como a nossa vizinha Espanha. O facto é que, hoje em dia, qualquer pessoa com equilibradas condições financeiras acaba por conseguir abortar, independentemente do regime português.Não me é difícil, portanto, clarificar a minha opinião. Sou evidentemente contra o aborto, como atentado ao direito à vida. Mas sou a favor da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras dez semanas, ou seja, voto SIM neste referendo, porque parece-me claro que é a opção praticamente mais justa, nos termos de permitir, por um lado, um mais eficiente cumprimento do princípio da igualdade, e, por outro, um efectivo escape de situações de especial agravo tanto para a vida dos pais como para a do nascituro, nas condições supra explicitadas.Resta-me, porém, referir que esta minha exposição não se destina a influenciar opções de voto, mas, tão só, a evidenciar alguns pontos essenciais da matéria em discussão. Importante é, de facto, que todos os portugueses participem neste referendo, já que, perante tão complexa matéria, a opinião de toda a população parece-me particularmente soberana. Não há dúvida que está em causa a decisão relativa a uma liberdade individual, mas é, porém, uma liberdade especial, que tem claras consequências em relação a outros institutos.
Artigo de opinião in JORNAL DO PICO

1 comentário:

Picarota disse...

Interessante este teu artigo, já tinha tido oportunidade de o ver no Jornal. Partilho da tua opinião de voto, principalmente com a parte de "qualquer pessoa com equilibradas condições financeiras acaba por conseguir abortar, independentemente do regime português."
Boa sorte para o blog.
Cumps,

Denise S. Almeida